terça-feira, 30 de outubro de 2007

Circe

(A entrada da rua Mabbot para Nighttown, diante da qual se estende um findelinha dos bondes sem pavimentação, com trilhosesqueletos, fogosfátuos vermelhos e verdes e sinais de perigo. Fileiras de casas maltrapilhas com portas escancaradas. Raras lâmpadas com cúpulas arcoíris desbotadas. Junto à imobilizada gôndola de sorvetes de Rabaiotti, homens e mulheres gorados batem boca. Agarram-se a biscoitos ázimos entre os quais se espremem pedras de carvão e neve cobre. Sugando, dispersam-se, lentos. Crianças. A cisnecrista da gôndola, altempinada, finge-se cruzando a lama, branca, azul, sob um farol. Assovios chamam, respondem.

O CHAMADO

Espera, amor, que estarei contigo.

AS RESPOSTAS

Ali atrás do estábulo.

(Um idiota surdo mudo com olhos saltados, a boca disforme babando, passa convulso, agitado na dança de São Vito. Uma corrente de mãos de crianças o aprisiona.)

AS CRIANÇAS

Sinistro! Saúde.

O IDIOTA

(ergue uma mão paralisada e arrulha) Ghahud!

AS CRIANÇAS

Cadê a grande luz?

O IDIOTA

(Boquejando) Ghaghahest.

(Elas o libertam. Ele segue convulso. Uma pigméia balança de uma corda presa entre as vigas, contando. Uma forma escarrapachada contra um cesto de lixo e obnubilada por seu braço e seu chapéu se move, resmunga, rilha urros nos dentes, e ronca de novo. Em um degrau um gnomo bebezando entre uma pilhadejetos se agacha para pôr ao ombro uma saca de trapos e ossos. Uma velho de pé por perto com uma fumarenta lanterna a óleo atocha a última garrafa na bocarra de sua saca. Guinda seu butim, puxa, envieza seu gorro de ponta e sai cambaleante, mudamente. O velha se dirige de volta a seu covil balançando sua lâmpada. Uma criança cambaia, acocorada no limiar com uma peteca de papel, rasteja deslizante atrás dela em repelões, agarra sua saia, arrasta-se para cima. Um operário bêbado agarra com as duas mãos as grades de um pátio, espreitando, pesado. Em uma esquina duas rondas noturnas com capas sobre os ombros, mãos nos coldres dos cassetetes, formas altas vigilantes. Um prato se estilhaça: uma mulher grita: uma criança berra. Pragas de um homem rugem, murmuram, cessam. Figuras erram, emboscadas, observam dos cortiços. Em um quarto à luz de uma vela enfiada em um gargalo uma vadia penteia e desfia os nós do cabelo de uma criança escrofulosa. A voz de Cissy Caffrey, ainda jovem, canta aguda da alameda.)

CISSY CAFFREY

Eu dei para a Molly

Ao som desse fole,

A pata do pato

A pata do pato.


***

UM VELHO RESIDENTE

O senhor é um crédito para seu país, senhor, essa é que é a verdade.

UMA VENDEDORA DE MAÇÃS

É o tipo de homem que a Irlanda quer.

BLOOM

Meus amados súditos, uma nova era está prestes a nascer. Eu, Bloom, em verdade vos digo que ela está já surgindo. Sim, pela palavra de um Bloom, em pouco adentrareis a cidade que será, a nova Bloomusalém novae Hiberniae do futuro.

(Trintedois operários, usando rosetas, de todos os condados da Irlanda, guiados por Derwan, o construtor, erigem a nova Bloomusalém. Trata-se de um colossal edifício com teto de cristal, construído no formato de imenso rim de porco, contendo quarenta mil cômodos. No curso de sua ampliação diversos edifícios e monumentos são demolidos. Escritórios do governo são temporariamente transferidos para abrigos ferroviários. Numerosas casas são arrasadas. Os habitantes são acolhidos em tonéis e caixas, todas marcadas em vermelho com as letras: L. B. Diversos pedintes caem de uma escada. Uma parte das muralhas de Dublin, atulhadas de leais curiosos, desmorona.)

OS CURIOSOS

(morrendo) Morituri te salutant. (morrem)

(Um homem vestindo uma capa mackintosh marrom surge de um alçapão. Ele aponta um dedo alongado para Bloom.)

O HOMEM COM A MACKINTOSH

Não acreditem em uma só palavra do que ele diz. Este homem é Leopold M'Intosh, o notório incendiário. Seu verdadeiro nome é Higgins.

BLOOM

Dêem-lhe um tiro! Cachorro de cristão! Chega de M'Intosh!

(Um tiro de canhão. O homem com a mackintosh desaparece. Bloom com seu cetro nocauteia papoulas. Reportam-se as mortes instantâneas de muitos poderosos inimigos, pecuaristas, membros do parlamento, membros de comitês permanentes. Os guardacostas de Bloom distribuem óbulos, medalhas comemorativas, pães e peixes, distintivos de temperança, caros charutos Henry Clay, ossos de vaca gratuitos para a sopa, preservativos de borracha em envelopes selados atados com fio de ouro, caramelos de caramelo, balas de abacaxi, billets doux na forma de chapéus de aba virada, ternos prontos, vasilhas de vaca atolada, garrafas do fluido de Jeyes, valescompras, indulgências de 40 dias, moedas espúrias, salsichas de porcos alimentados com leite, passes para o teatro, bilhetes sazonais disponíveis para todas as linhas do bonde, cupons da loteria com privilégio real da Hungria, valesrefeições, reimpressões baratas dos Doze Piores Livros do Mundo: Froggy e Fritz (político), Cuidado do bebê (infantílico) 50 refeições por 7,6 (culínico), Teria Jesus sido um mito solar (histórico), Expulse essa dor (médico), Compêndio infantil do universo (cósmico), Gargalhemos todos (hilárico), Vademécum do corretor publicitário (jornalístico), Cartas de amor da madre assistente (erótico), Quem é quem no espaço (ástrico), Canções que tocaram nossos corações (melódico), De tostão em tostão até a riqueza (parcimônico). Correria e agitação generalizadas. As mulheres se acotovelam para tocar a bainha da toga de Bloom. Lady Gwendolen Dubedat irrompe através da turba, salta em seu cavalo e beija-o em ambas as bochechas entre grande aclamação. Tira-se uma fotografia com lâmpada de magnésio. Bebês e lactentes são levantados.)

AS MULHERES

Paizinho! Paizinho!

***

STEPHEN

(voz embargada de pavor, remorso e horror) Eles dizem que eu te matei, mãe. Ele ofendeu a tua memória. Foi o câncer, não eu. Destino.

A MÃE

(uma verde linha de bile escorrendo do canto de sua boca) Você cantou aquela música para mim. O amargo mistério do amor.

STEPHEN

(ansiosamente) Me diga a palavra, mãe, se você sabe agora. A palavra que todos os homens conhecem.

A MÃE

Quem te salvou na noite em que você saltou no trem em Dalkey com o Paddy Lee? Quem teve pena de você quando você estava triste entre os estranhos? A oração é todopoderosa. Oração pelas almas que sofrem no manual das Ursulinas e indulgência de quarenta dias. Se arrependa, Stephen.

STEPHEN

O monstro! Hiena!

A MÃE

Eu rezo por você no meu outro mundo. Peça pra Dilly fazer pra você aquele arroz cozido toda noite depois do teu estudo. Por anos e anos eu te amei, ah, meu filho, meu primogênito, quando você estava dentro da minha barriga.

ZOE

(abanando-se com o leque das brasas) Ai que me derreto!

FLORRY

(aponta para Stephen) Olha! Ele está branco.

BLOOM

(vai até a janela para abri-la mais) Tonto.

A MÃE

(com olhos ardentes) Arrepende-te! Ah, o fogo do inferno!

STEPHEN

(ofegando) Seu sublimado incorrosivo! O mascadáver! Cabeça crua e ossos sangrentos.

A MÃE

(seu rosto chegando mais e mais próximo, recendendo a um alento de cinzas) Cuidado! (ela ergue seu braço direito seco enegrecido lentamente até o peito de Stephen com um dedo esticado) Cuidado com a mão de Deus!

(Um caranguejo verde com olhos malignos vermelhos enfia fundo suas garras sorridentes no coração de Stephen.)

STEPHEN

(estrangulado pela raiva, seus traços feitos cinzentos e velhos) Bosta!

BLOOM

(à janela) O quê?

STEPHEN

Ah non, par exemple! A imaginação intelectual! Comigo tudo ou não de todo. Non serviam!

FLORRY

Dêem um pouco de água fria para ele. Espera. (ela sai correndo)

A MÃE

(torce lentamente as mãos, gemendo desesperadamente) Ai, sagrado coração de Jesus, tem piedade dele! Salvai-o do inferno, ó divino sagrado coração!

STEPHEN

Não! Não! Não! Quebrem meu espírito, vocês todos, se puderem! Eu vou botar vocês todos a meus pés!

A MÃE

(na agonia de seu chocalho de morte) Tem piedade do Stephen, Senhor, em meu nome! Inexprimível foi minha angústia quando expirando de amor, dor e agonia no Monte Calvário.

STEPHEN

Nothung!

(Ele ergue seu freixo alto com as duas mãos e destrói o candelabro. A lívida última flama do tempo salta e, na escuridão que se segue, ruína de todo o espaço, vidro estilhaçado e alvenaria desmoronando.)

O BICO DE GÁS

Pwfungg!

BLOOM

Pare!

LYNCH

(corre e segura a mão de Stephen) Calma! Se acalme! Não alucine!

BELLA

Polícia!

**

BLOOM

(assopra) Providencial você ter surgido em cena. Você está com um carro...?

CORNY KELLEHER

(ri, aponta o polegar sobre o ombro direito para o carro encostado contra os andaimes) Dois mascates que andavam comprando borbulhas no Jammet´s. Pareciam príncipes, juro. Um deles perdeu duas pratas na corrida. Afogando as mágoas. E estavam dispostos a uma visita às menininhas. Então eu meti os dois no carro do Behan e toca pra nighttown.

BLOOM

Eu estava só indo para casa passando pela rua Gardiner quando por acaso eu ...

CORNY KELLEHER

(ri) Claro que eles queriam que eu me juntasse às raparigas. Não, pelo amor de Deus, digo eu. Não para uns velhuscos como eu e você. (ele ri novamente e olha, lascivo, com olhos deslustres) Graças a Deus nós temos em casa, não é? Hein? Está me entendendo? Rá, rá rá!

BLOOM

(tenta rir) Rê, rê, rê! É. A bem da verdade eu estava só visitando um velho amigo meu ali, Virag, você não conhece (pobre coitado, está esticado há uma semana) e nós tomamos uma bebida juntos e eu estava só no meu caminho para casa......

(o cavalo relincha)

O CAVALO

Cacacacacacá! Cacacacasa!

CORNY KELLEHER

Claro que foi o nosso cocheiro Behan que me avisou depois que deixamos os dois mascates na senhora Cohen e eu disse para ele encostar e desci para ver. (ele ri) Motoristas sóbrios de rabecão são uma raridade. Eu dou uma carona para ele até em casa? Onde é que ele se esconde? Algum lugar em Cabra, não é?

BLOOM

Não, em Sandycove, eu acho, pelo que ele deixou escapar.

(Stephen, de costas, respira para os astros. Corny Kelleher, oblíquo, puxa o cavalo. Bloom, incomum, prazer nenhum.)

CORNY KELLEHER

(coça a nuca) Sandycove! (ele se curva e chama por Stephen) Ei! (chama novamente) Ei! Ele está coberto de serragem de qualquer maneira. Cuide para eles não roubarem nada dele.

BLOOM

Não, não, não. Eu estou com o dinheiro dele e o chapéu aqui e a bengala.

CORNY KELLEHER

Ah, muito bem, ele vai se recuperar. Nenhum osso quebrado. Bom, eu vou indo. (ri) Eu tenho um encontro marcado de manhã. Enterrar os mortos. Sãos e salvos para casa!

O CAVALO

(relincha) Cacacacacasa.

BLOOM

Boa noite. Eu vou só esperar e levá-lo daqui em alguns...

(Corny Kelleher volta para o carro e monta nele. Os arreios do cavalo estralejam.)

CORNY KELLEHER

(de dentro do carro, de pé) Noite.

BLOOM

Noite.

(O cocheiro estala as rédeas e ergue o chicote encorajadoramente. O carro e o cavalo andam lentos para trás, desajeitadamente, e viram. Corny Kelleher no assento lateral oscila a cabeça para a frente e para trás em sinal de alegria para com a missão de Bloom. O cocheiro se junta à muda diversão pantomímica acenando com a cabeça do assento mais distante. Bloom sacode a cabeça em muda resposta divertida. Com o polegar e a palma da mão Corny Kelleher reassegura que os dois guardinhas vão deixar o sono em paz por quanto seja necessário. Com um lento aceno de cabeça Bloom expressa sua gratidão sendo isso exatamente o que Stephen precisa ter. O carro estraleja larirá pela esquina da lariralameda. Corny Kelleher novamente reassegurarirá com a mão. Bloom com sua mãos assegurarirá a Corny Kelleher que está reassegurirarirado. Os cascos estalantes e estralejantes arreios vão sumindo com seu larirá lari lailai. Bloom, segurando o chapéu de Stephen, embandeirado de serragem, e o freixo, resta irresoluto. Então ele se curva até ele e o sacode pelo ombro.)

BLOOM

Ei! Oi! (Não há resposta. Ele se curva mais uma vez.) Senhor Dedalus! (não há resposta) O nome se você disser. Sonâmbulo. (ele se curva mais uma vez e, hesitante, leva sua boca mais próxima da forma prostrada) Stephen! (Não há resposta. Ele chama de novo.) Stephen!

STEPHEN

(contorce o rosto) Quem? Pantera negra. Vampiro. (ele suspira e se estica, depois murmura enrolado com prolongadas vogais)

Quem... conduzir... Fergus agora

E furar... a sombra entretecida da madeira...?

(Vira-se para o lado esquerdo, suspirando, dobrando-se sobre si próprio.)

BLOOM

Poesia. Bem educado. Pena. (ele se curva novamente e solta os botões do colete de Stephen) Para respirar. (ele espana a serragem das roupas de Stephen com mão leve, e dedos) Uma libra e sete. Pelo menos não está machucado. (escuta) O quê?

STEPHEN

(murmura)

... sombras ... o bosque

... alvo seio ... mar escuro.

(Ele estende os braços, suspira novamente e enrosca o corpo. Bloom, segurando o chapéu e o freixo, continua ereto. Um cão ladra à distância. Bloom segura mais forte e mais fraco o freixo. Ele olha para o rosto e a forma de Stephen, para baixo.)

BLOOM

(comunga com a noite) O rosto me lembra o da coitada da mãe dele. No bosque sombrio. O fundo e alvo seio. Ferguson, eu acho que peguei. Uma moça. Alguma moça. Melhor coisa que podia acontecer com ele. (ele murmura)..... Juro que sempre saudarei, sempre ocultarei, nunca revelarei, qualquer parte ou partes, arte ou artes...... (murmura)..... nas rudes areias do mar. Longe da praia uma toa.... onde reflui a maré... e flui.....

(Silente, pensativo, alerta monta guarda, dedos nos lábios na atitude do mestre secreto. Contra a parede escura uma figura surge lentamente, um meninofada de onze anos, um bebê trocado, raptado, vestindo um terno de Eton com sapatos de vidro e um pequeno elmo de bronze, segurando um livro. Ele lê da direita para a esquerda, inaudivelmente, sorrindo, beijando a página.)

BLOOM

(maravilhado, chama inaudivelmente) Rudy!

RUDY

(mira, senvermente, os olhos de Bloom e segue lendo, beijando, sorrindo. Tem um delicado rosto bordô. Em seu terno há botões de diamante e de rubi. Em sua mão esquerda livre ele segura uma fina cana de marfim com um laço violeta. Um cordeirinho branco espia do bolso de seu colete.)


segunda-feira, 15 de outubro de 2007

O Gado do Sol... (Como exceção.. depois do Joyce vai um texto meu de 2005)

Deshil Holles Eamus. Deshil Holles Eamus. Deshil Holles Eamus.

Envia-nos, brilhante, luzente, Horhorn, fertilidade e frútero. Envia-nos, brilhante, luzente, Horhorn, fertilidade e frútero. Envia-nos, brilhante, luzente, Horhorn, fertilidade e frútero.

Upsa, meninim, upsa! Upsa, meninim, upsa! Upsa, meninim, upsa.

Universalmente o daquela pessoa acume é estimado muito pouco percuciente no tocante a quaisquer questões que estejam sendo sustentadas como as que com mais utilidade por mortais de sapiência dotados se pode aprender que se mantém ignorante daquilo que os mais em doutrina eruditos e certamente em razão daquilo que neles alto da mente ornamento de veneração meritório constantemente sustentam qunado por geral consenso afirmam que sendo iguais circunstâncias outras por nenhum exterior esplendor é mais eficazmente a prosperidade de uma nação afirmada do que pela mensuração de quão adiante possa ter progredido o tributo de sua solicitude para com aquela prolífera continuidade que dos males origem se ausente quando felizmente presente constitui certo sinal da incorrupta benevolência da onipolente natura. Pois quem haveria que algo de alguma monta apreendera que não esteja cônscio de que tal externo esplendor pode ser a superfície de uma lutulenta realidade inferorientada ou pelo contrário alguém existe de tão iniluminado que não perceba que assim como dom algum de natura pode rivalizar com a prodigalidade de progenitura de modo que cabe a cada um dos mais justos dos cidadãos tornar-se exortador e admonitor de seus semelhantes e tremer diante da possibilidade de que o que foi no passado pela nação excelentemente iniciado possa no futuro ser não com similar excelência acabado se um inverecundo hábito houver gradualmente degradado os honrosos pelos ancestrais transmitidos costumes a tal grau de vileza que seria audaz em excesso aquele que sustentara a intrepidez de surgir afirmando não mais odiosa ofensa poder para qualquer haver do que a de obliviante negligenciar a observação do evangelho de simultâneas ordem e promessa que sobre todos os mortais com profecia de abundância ou de coarctação ameaça da exalçada reiteradamente função procriativa pela eternidade irrevogavelmente injungida?

Não há portanto por que admirarmos se, como os melhores historiadores relatam, entre os celtas, que nada que não fosse por sua natureza admirável admiravam, à arte da medicina grande honra se tenha dado. Para não falar de albergues, lazaretos, suadoiros, da peste as covas, os maiores doutores seus, O'Shiels, O'Hickeys, O'Lees, que sédulos os múltiplos métodos expuseram por que os doentes e os recidivos a sanidade reencontrassem tivesse a doença sido coréia ou a reira de Boyconnell. Decerto em toda pública obra que em si algo de gravidade contém a preparação há de ser com a importância comensurável e subseqüentemente um plano foi por eles adotado (se por prévia consideração ou como maturação da experiência é difícil de ser dito sendo que as discrepantes opiniões dos ulteriores questionados ainda não até agora a um juízo confluíram que o manifestasse) porquanto a maternidade estava tão remotamente de qualquer possível acidência afastada que quaisquer cuidados que a paciente naquela sobressevera das horas feminis mais requeresse e não somente para os copiosamente opulentos mas também para aquela que sem ser suficientemente provida de pecúlio mal podia e freqüentemente nem mal podia subsistir bravamente e que por inconsiderável emolumento era atendida.

A ela nada já então e dali por diante podia de qualquer maneira ser molesto pois isso mais sentiam os todos cidadãos exceto com mães proliferentes prosperidade de todo não poder ser e como houvessem recebido a eternidade os deuses os mortais, a geração adequada a eles tocante a ela, quando se o caso assim tinha, parturiente em veículo para ali portando desejo imenso entre todos um ao outro impelia por que naquele domicílio ela ali fosse atendida. Ó coisa de prudente nação não meramente em ser vista mas também e mesmo em ser relatada merecedora de ser alabada que eles a ela por antecipação fossem vendo mãe, que ela por eles repentina estar prestes a ser querida a sentir começasse!

Gaio o menino na madre. Pois era sobejo amado. Pois era sobejo amado. Na madr'era, pequenino. Tôdalas cousas naquela vegada feitas, feitas foram bem feitas. Um carro seguido por parteiras com boas comidas prazeiras, coeiros louçãos bem limpos como se a prenhez já fosse a cabo e se homem avisado tudo guarnecera: mas tão bem com mezinhas avondo, que necessárias eram, e estormentos de cirurgia convinháveis a seu caso dela sem esquecer de rem dos brincos que trazem solaz, ofertos nos diferentes lugares de nosso globo terreal com imagens, humanas e divinais, que só de nelas pensar as mulheres apartadas são mais asinha emprenhadas, ou que fazem mais quedas as cousas no fermoso e alto e claro lar das madres quando, sabidamente adiantada e já pronta, chega lhe a hora de parir, findo dela o seu termo.

Um homem que viandante era esteve então à porta ao poer do sol. Da gente de Israel era o homem que sôbela terra errando longes terras viajara. Por pura mercê era ali. E vinha só até à casa. E vinha só até à casa, sem ter companha por vir i.

Daquela casa A. Horne é senhor. Setenta leitos ele i mantém por que as madres na sua hora delas i venham parir e dar à luz crias sãs assim o anjo de Deus a Maria disse. Cuidosas cuidavam i duas, seguiam espertas. Seguiam espertas na ala irmãs brancas. Maladias pensavam, dando gasalhado aos enfermos: em doze luas três vezes um cento. Ambas excelentes guardiãs dos leitos eram, para Horne guardando a ala cuja dele era.

Na ala queda a guardiã atenta vir oiu aquele mansomem e com cachaço salmilhado lhe abriu inteiro seu portão dela. Mira! O corisco corusca no céu! Corusca no céu como um risco! Na Hibérnia no Oeste. Temeu ela muito que Deus o estruidor toda a gente acabasse com água pelos pecados dele negros. O cruzeiro do Cristo fez ela no peito e por ele puxou, que asinha viesse dentro. O homem, sabendo sua vontade, dino penetrou a casa de Horne. Dino penetrou a casa de Horne.

Aficado em não causar nojo, no salão de Horne chapéu na mão foi o visitador. Com a esposa querida vivera em casa dela. Vivera em casa dela com a filha velida. Ele que então por nove longos anos sôbela terra vagara e polos mares. Um dia ela sendo na angra da cidade ele não lhe havia prestada a reverência. Perdão pedia agora e a ela acrescia de seu talante que aquele rosto por ele a penas divisado, cujo o seu era dela, tão viçoso lhe então parecera. Uma luz veloz lhe os olhos inflama. Rubores, coradas coroas de flores, ganhou sua voz.

Ai Deus, temeu a dor do amigo, pois trazia o luto consigo: mas depois foi contenta. Pois trazia o luto consigo, temeu o pesar imigo: mas depois foi contenta. A ela demandou se O'Hare o doutor enviara mandado do porto distante e ela com acuitado suspiro respondeu que O'Hare o doutor no paraíso era. Desditoso foi o homem de esso ouvir que lhe era pesaroso e sentia o peito piadoso. Tôdalas cousas lhe ela ali contava, pranteando a morte de tão jovem conhecido, sempre anojada sem a justeza de Deus querer ver desdita. Ela disse que ele boa morte mansa houvera pela bondade de Nosso Senhor com clérigo que lhe dera gasalhado, a santa hóstia e o unto dos enfermados em seus membros. O homem pois direito perguntou a irmã sôbela morte que morrera o morto e a irmã respondeu e disse que ele morreu em na ilha Mona por uma ferida braba no ventre três anos haveria já acabados viera o Natal e ela rezou a Deus misericordioso que houvesse a sua alma dele na imortalidade divinal. Ele as palavras dela tristes ouviu, premendo o chapéu mirando triste. E assim estiveram ambos ali desconsolados, lamentando o um com o outro.

Portanto, ó vós que ouvis, pensai no postumeiro fim que é vossa morte e no pó que agarra a todo o homem que de mulher é nato pois como do ventre de sua mãe dele veio ele em pêlo, assim desnudo há de ser guiado ao cabo por que saia como veio.

O homem que à casa viera falou então à enfermeira e perguntou-a uma pergunta. Que desejava saber como calhasse estar a mulher que no leito de parto jazia i. A enfermeira respondeu e disse que, eramá, a mulher estava lidando havia já três dias inteiros e que um duro parto seria e fero de se aturar mas que ora seria mui muito prestes. Ela disse pois que havia vistos muitos partos de mulheres mas nunca nenhum tão duro como o parto daquela mulher, bofé. Então ela todo expôs a ele que sabia que outrora vizinho à casa aquela já vivera. Lhe o homem prestava atenção pois sentia aficadamente e à maravilha a dor das mulheres nas coitas que têm para parir e olhava espantado seu rosto dela como jovem fosse e bela para qualquer homem ver mas porém, eramá, fora ela deixada depois de longos anos para criada. Nove vezes doze mênstruos remocando-a não parida.

****

Alerta! Cala a tua estulpidez. Pflaap! Pflaap! Estóra Rojão! Lá vai ela. Brigada! Nave de ataque. Rumo à rua Mount. Altolá. Pflaap! Tudo em ordem no front. Cê num vem? Corram, praga, fujam. Pflaap!

Lynch! Oi? Mantenha contato visual. Por aqui vai pra alameda Denzille. Baldeia aqui pra mancebia. Nós dois, ela disse, vamo procurar nos michê onde que tá a dita da Maria. Ótimo, quando quiser. Laetabuntur in cubilibus suis. Você também vem? Escuta, quem diabos é o porrinha do sujeito de fatiota preta? Calma! Pecou contra luz e mesmo agora está próximo o dia em que julgará o mundo com fogo. Pflaap! Ut implerentur scripturae. Dá uma palinha de uma balada. Então replicou Dick residente a seu camarada Davy residente. Cristículos, quem é esse bosta desse pregador de merda no salão Merrion? Elias está chegando! Lavado no sangue do cordeiro. Venham, criaturas vinhosas, ginzentas, bebinhas! Venham, seus quases, seus excessos de bagagem e alarmes falsos carasdecão, pescoçosdetouro, testasdebesouro, queixadasdeporco, cérebrosdeamendoim, olhosdefuinha! Venham, triplo extrato de infâmia! Alexander J. Christ Dowie, eis o meu nome, que arremessou à glória quase metade desse planeta da praia de Frisco a Vladivostok. A deidade não é nenhum espetaculozinho lascivo de praça. Eu lhes declaro que ele é seguro e uma proposta de negócios de primeiríssima qualidade. Ele é a coisa mais grandiosa que já aconteceu e não se esqueçam disso. Gritem salvação pelo rei Jesus. Você vi ter que acordar com as galinhas, seu pecador, se quiser embromar o Deus TodoPoderoso. Pflaaaap! Nem perto. Ele tem um xarope para tosse com uma dose extra para você, meu amigo, no bolso de trás. Só experimente para ver.


***

Dando nome aos bois executados por James Joyce, o de muitos ardis.

Mas por que ele fez uma coisa dessas?

A estória é conhecida. Dentro da progressivamente enovelada segunda metade do Ulysses, em que a linguagem é personagem principal, em que a narrativa tem de ser escavada de sob a superfície em que se deleita o arranjador, em que a literatura se diverte sobre a trama, há um episódio que se constitui como uma sucessão de pastiches de estilos literários ingleses, ordenados cronologicamente, que simularia (a sucessão... simularia) o desenvolvimento fetal. Trata-se do episódio que corresponderia à matança dos touros do Sol pelos marujos de Ulisses, na Odisséia. E, como de costume, a coisa é um pouco mais complexa.

No episódio 14 da odisséia de Bloom há, como sempre houve, muitas camadas de leitura, muitos mecanismos em operação. Para além do paralelo homérico, há toda uma mimetização do desenvolvimento do embrião (da fecundação ao parto) que passa pela, mas não se resume à, procissão de pastiches: palavras e símbolos inseridos estrategicamente (um esterno aqui, um unicórnio acolá) dão conta das diversas fases por que passa o ser humano intra-útero. Simultâneo a isso, corre todo o sistema de imbricadas inter-referências que costura todo o Ulysses: recorrências, invocações, citações que nos permitem manter o episódio dentro do quadro de referências que já conseguimos montar e, simultaneamente, ampliar esse mesmo quadro, buscando explicações, desenvolvimentos ou hipóteses. (Aqui vemos Stephen Dedalus se rebaixar a ponto de roubar uma piada de seu nêmesis Mulligan, somos relembrados do gosto do senhor Bloom por vísceras de animais, ficamos conhecendo definitivamente a identidade do possível amante de Milly Bloom em Mullingar e podemos imaginar, finalmente, quem poderia ser Martha, a concubina epistolar de Bloom, que de certa forma conhecemos desde o episódio 5, entre, muitas, outras, coisas...)

Tudo isso, no entanto, se encontra obscurecido, seja na crítica posterior seja no próprio tecido do romance, pelo virtuosismo empregado pelo autor (e exigido do leitor) na elaboração de sua longa enfiada de pastiches e paródias. O próprio Joyce reconhece, em uma carta, que o Gado do Sol (nome por que ficou conhecido o episódio) é o trecho de seu livro que mais exige de quem o tenta compreender, bem como o que mais exigiu de quem o intentou conceber.

As duas dificuldades se colocam, simultaneamente, para quem deseja arriscar seu pescoço traduzindo o episódio. É preciso compreendê-lo, e é preciso reproduzi-lo. Tradutores são o melhor exemplo do leitor-criador.

No Ulysses, mais do que em quase todas as outras obras de ficção (e menos que em outras; basta ir até o Finnegans Wake), o tradutor precisa reavaliar suas estratégias, repensar seus meios. Talvez não se trate ainda, como veremos no Wake, da necessidade da elaboração de toda uma nova poética da tradução. Possivelmente o caso no Ulysses é de uma radicalização de meios e de reflexões que, em seu estado mais amortizado, servem muito bem à tradução de outros romances. Talvez, inclusive, essa seja uma diferença generalizável a outros aspectos do processo de descontrução do romance como nós o conhecemos (conhecíamos?), perpetrado pelas duas grandes obras de Joyce: um leva ao extremo (ao cabo, ao fim) as possibilidades conhecidas, espremendo delas efeitos até então insonhados pela maioria dos que as empregavam; o outro abre possíveis caminhos novos, talvez singulares demais para gerar uma prole.

O leitor do Ulysses precisa aprender o livro enquanto aprende com o livro. Joyce, na delicada transição de estilos, por exemplo, que nos leva desde uma versão refinada de Um retrato do artista até o jorro imediado da assintaxe de Molly Bloom, parece contar com esse fato, contar sempre com o que se já expôs, sobre o que se pode construir, sempre mais alto. O tradutor do Ulysses precisa aprender com ele a repensar seus procedimentos. A ler em mais profundidade. A fazer mais perguntas.

Por que dimunhos ele fez uma coisa dessas?

Pensar, por exemplo, que a ausência de pontuação no monólogo final serve para reproduzir um texto falado, uma sintaxe oral, conquanto equivocado (equivocado?), pode ter sido a explicação para o fato de as duas traduções portuguesas integrais do romance (a de Antônio Houaiss e a lusitana de João Palma-Ferreira: ainda estamos esperando a terceira, da professora Bernardina Silveira Pinheiro, que deveria sair no mês de Março) terem optado por manter no texto impresso a acentuação gráfica das palavras portuguesas. Se Joyce pensou em oralidade, representou-a mal. Se Joyce pensou, iconicamente, em representar uma nudez e um acesso imediato à linguagem e ao leitor, os diacríticos precisam ser eliminados. Mas essa é somente uma ilustração do que somente é a minha opinião, que rege a minha tradução. E todo este texto não se pretende mais que isto.

Por que cargas d’água, no Gado do Sol, Joyce optou por obscurecer quase totalmente a compreensão da trama, por deixar que a linguagem levasse a melhor sobre a comunicação?

É esta a pergunta que, respondida de maneira a deixar cada tradutor satisfeito (não peço mais que isso; não quero que me peçam: a tradução, como a concebo neste caso, é um trabalho artístico-artesanal), deve orientar os procedimentos adotados para tentar reproduzir o experimento joyceano em qualquer língua. De minha parte, foi o que tentei manter em mente ao longo da tradução de cada um dos dezoito episódios.

Eliot, unindo a fôrma e o que contém, acreditava que a sucessão de estilos do Gado do Sol demonstrava a esterilidade do estilo. Sua pletora redundava em vacuidade. Tal opinião estende à superfície do texto o paralelo homérico, com a simbologia do crime contra a fertilidade que foi a morte dos touros de Hélios, fazendo com que este tema ressoe na forma, muito ao gosto de Joyce. Maravilha.

Além disso, via de regra a magnificência da sintaxe e do vocabulário retirados de autores tão díspares quanto Mallory e Dickens, pateticamente distanciados da nula seriedade das conversas que se travam na maternidade, representaria mais um exemplo daquilo que o mesmo Eliot batizou de “método mítico”, criado pelo Ulysses, por possibilitar que a tradição simultaneamente engrandeça e enriqueça o nulo contemporâneo e seja questionada e ridicularizada por ele, com óbvia prevalência desta segunda possibilidade neste caso.

(Richard Ellmann lembra que o coitus interruptus torna-se também tema formal no último trecho do episódio, em que a história da língua se dissolve em jaculações isoladas e infrutíferas.)

Infrutíferas. Esterilidade. Coitus interruptus.

Se o ato sexual é uma (suma?) forma de comunicação, a negação da síntese gerada por ele (a esterilização do coito, como Joyce apontava em carta a Frank Budgen) é uma declaração pirrônica de incomunicabilidade comum. A dificuldade que o leitor encontra em saber o-que-o-Livro-quer-dizer durante todas as páginas do Gado do Sol, encaixa-se assim com facilidade, proporcionando uma única metáfora dominante para todas as esferas que giram concentricamente na noite dublinense.

Homero, Bloom, Fetos, Prosa.

Trata-se, tudo, da negação da fertilidade, da teleologia, da comunicação. Bloom entra só na maternidade. Encontra lá muitos outros, mas permanece só. Stephen sai sozinho. É seguido por outros muitos, mas só permanece.

Se trabalho com esta (rudimentarmente exposta) possibilidade de leitura para a técnica empregada por Joyce para a elaboração do episódio, cumpro a contento (a satisfação que requeiro é sempre apenas a minha) a primeira etapa do processo. Ler o texto. (Que engloba ainda, é bem verdade, a árdua tentativa de se compreender completamente, o mais que se possa, a trama subjacente. E aqui vale prestar-se pequeno tributo a gente como Don Gifford, que, com seu monumental Ulysses annotated revolucionou as possibilidades de acesso dos leitores ao livro e, simetricamente, a gente como Antônio Houaiss, que realizou seu trabalho, prenhe de problemas ou não, antes da existência massiva deste tipo de biblioteca crítica.)

Resta agora pensar em como reescrever o Gado do Sol em português.

Se Joyce quis esterilizar a tradição literária inglesa e mostrar que todo esse processo, no entanto, culminava com o Ulysses (e não custa lembrar que Ellmann, em resposta a Eliot, lembrava que a celebração lingüística de Joyce servia também para reafirmar o “estilo”, ainda que segundo suas regras.), fica claro que toda tradução que se limite a buscar reproduzir as palavras e os períodos do Gado do Sol em sua própria língua é automaticamente uma não-tradução. Precisa e unicamente na medida em que, servil, não se apropria do problema. Não se apropria do problema.

A tradução de um pastiche não é mais que um pastiche de segunda-mão, que pode servir, talvez, apenas como escada de acesso a um eventual leitor que tenha dificuldade de sondar diretamente o original. Mas que irremediavelmente se resolve apenas nele, e com ele. Um Ulisses minimamente autônomo precisa dar conta de se recolocar os problemas encarados pelo original e de respondê-los de forma suficientemente autêntica e pessoal. Traduzir um pastiche equivale a converter, palavra por palavra, um trocadilho.

Estou muito no sol, diria um Hamlet pobre e aleijado.

É preciso (re)produzir. E isso no interesse do leitor brasileiro e do texto original.

Se é fato que Joyce, no Ulysses, nos obriga a aprofundar todos os questionamentos clássicos da teoria do romance, das teorias da leitura e da tradução, o eterno paradoxo da conspicuidade da interferência não poderia deixar de se fazer sentir mais agudo do que em outras obras: quanto menos o tradutor interfira na tradução das linhas do Gado do Sol, mais traduzido parecerá seu texto (e não esqueçamos de que, para complicar ainda mais, Joyce serviu-se também do que chamava de tradutorês); quanto mais se aproprie do Gado, mais vernáculo ele terá de soar: mais intacto.

Gostaria de dizer que vejo apenas duas possibilidades de se responder ao Gado. Mas há uma terceira: escrever em um português salmilhado de palavras antigas, correspondentes a cada um dos períodos abordados pelo Livro, um texto que siga o fluir do original. Maquiar de diacronia uma atradução.

As duas outras?

Uma seria mais direta, mas talvez menos efetiva, e certamente menos possível. É conhecida (ainda que sempre discutível) a lista dos autores que Joyce teria saqueado. Busquem-se as traduções para o português de cada um desses autores, se possível dos mesmos fragmentos que Joyce consultou (ele parece ter-se servido especialmente de duas antologias: Saintsbury, 1912; Peacock, 1903) e espelhem-se os hábitos sintáticos, os cacoetes que Joyce imitou, de seus tradutores.

Além do fato de tal solução ser obviamente (espero que seja claro o obviamente) uma solução de meio-termo, de via média, quem resolvesse guiar-se por ela encontraria de pronto o singelo problema pragmático de que não dispomos das traduções desses autores todos, que dirá daqueles fragmentos. Além disso, como ficou acima, o próprio Joyce se serviu dos maneirismos de tradutores (como o mesmo Saintsbury) que estrangeirizavam o inglês (anglossaxonificavam, para sermos mais precisos) para reproduzir ritmos e sensações da prosa mais antiga.

Dessa forma, em pouco tempo estaremos traduzindo a tradução da tradução. Sob forma de pastiche!

Mais grave: perde-se assim qualquer possibilidade de referência para qualquer leitor imaginável. E que sentido subversivo, questionador, pode ter o pastiche do desconhecido? Que finalidade interessante pode cumprir a sátira do modelo ausente, criado?

O que pensei restar como única alternativa de honestidade para com o Ulysses e para com os possíveis leitores (minha tradução deve permanecer indefinidamente inédita, mas Bakhtin está aí para nos lembrar que o leitor está sempre lá..) era a escolha de um conjunto de templates, retirados da história da literatura de língua portuguesa, que correspondesse em alguma medida ao período histórico, à natureza (texto epistolar, narrativa de viagem, crônica, prosa de ficção), e à representatividade dos autores de cada um dos fragmentos que geraram os pastiches Joyceanos. Que se não correspondesse ponto a ponto, que ao menos compensasse no todo. Tradução.

Há perdas? Sempre haverá. São da natureza mesma do processo. Toda a metáfora da fecundação presente nas primeiras páginas, em que um texto unicamente composto de vocábulos anglo-saxões e um outro de vocabulário predominante e sintaxe puramente latina (um bom exemplo do tradutorês) como que se fundem para gerar a língua inglesa, fica por enquanto sem solução, por exemplo. Mas o estabelecimento de uma lista de fontes, que parte dos trovadores galaico-portugueses (em alguma medida também tradutores dos troubadours provençais), passa pela narrativa da Batalha do Salado, pela Demanda do Santo Graal, por Bernardim Ribeiro, Gil Vicente, Vieira, Mariana Alcoforado, &c, &c, &c, chegando ao Machado de Assis do Memorial de Aires, pode, espero, minimamente reproduzir no texto que gerei os questionamentos éticos e estéticos do texto-fonte e os efeitos sobre os eventuais leitores que Joyce teria podido obter.

Onde ele se apega ao cynghanedd, à prosa aliterativa anglo-saxã, posso buscar os efeitos das cantigas paralelísticas dos primeiros trovadores, inclusive das rimas e da métrica. Onde ele se apóia em Dickens, posso correr a Machado, encontrando simultaneamente um apoio e um espelho, gerando um gado do sol que não é apenas a reprodução passiva de Oxen of the sun, mas sim uma possível versão coetânea em língua portuguesa. O Gado do Sol assim gerado representaria em alguma medida uma colocação frente à literatura brasileira que responde minimamente ao projeto original joyceano. Visto assim, pelas lentes que acredito ter exposto, ele minimamente faz sentido.

Em outros momentos da tradução as perguntas foram outras. E pude mesmo ser estrangeirizador. Mas, aqui, pelo que acredito ter exposto acima, acreditei ser essa a melhor solução.

Fiz o que pude, na tentativa de responder a Joyce.

Com uma, imensa, ressalva. Ninguém (muito menos eu) terá em sua língua o poder de expressão que tinha o homem que, certa vez, teria dito se reconhecer capaz de fazer qualquer coisa com a língua inglesa. E que deu suficientes provas disso.

Ninguém será James Joyce. E por mais ativas que sejam as versões...

domingo, 14 de outubro de 2007

Nausícaa (eu não sei o que aconteceu!)

O entardecer do verão começara a envolver o mundo em seu misterioso abraço. Longe no Oeste o sol se punha e o último reluzir do dia fugaz brilhava ainda encantador sobre e o mar e a areia, sobe o altivo promontório do velho conhecido Howth, vigilante como sempre sobre as águas da baía, sobre as pedras cobertas de ervas pela praia de Sandymount e, com não menos importância, na tranqüila igreja de onde brotava por vezes no silêncio do ar em torno a voz das preces a ela que em sua pura radiância é um farol sobre o coração do homem, fustigado pelas tempestades, Maria, estrela do mar. (1-8)

Cissy Caffrey agarrou o pequenino pois era louca por crianças, tão paciente com os coitadinhos e nunca conseguiam fazer Tommy Caffrey tomar seu óleo de rícino a não ser que Cissy Caffrey estivesse lá para segurar seu narizinho e prometer-lhe a ponta crocante do pão preto com aquele xarope dourado. (29-33)

A rápida inteligência maternal de Cissy percebeu o que estava errado e ela sussurou a Edy Boardman que o levasse para trás do carrinho onde o cavalheiro não pudesse vê-lo e que cuidasse que ele não molhasse os novos sapatinhos castanhos.

Mas quem era Gerty?

Gerty MacDowell que estava sentada junto de suas companheiras, com a cabeça longe, olhar perdido na longa distância, era com toda justiça um espécime tão belo da cativante feminilidade irlandesa quanto poder-se-ia desejar. (75-81)

Lentamente, sem olhar para trás ela desceu pela praia irregular até Cissy, até Edy, até Jacky e Tommy Caffrey, até o bebezinho Boardman. Estava já mais escuro e havia pedras e pedaços de pau na areia e algas escorregadias. Ela caminhava com um certa dignidade tranqüila característica sua mas com cuidado e muito lentamente porque – porque Gerty MacDowell era...

Botas apertadas? Não. Ela é manca! Oh!

O senhor Bloom a observava que seguia coxeando. Coitada! (766-72)


Mas... ai, ai, ai! Aquela aparência tensa em seu olhar! Uma mágoa está ali consumindo-a o tempo todo. Sua alma está exposta em seus olhos e ela daria mundos e fundos para estar no recôndito de seu próprio recinto familiar onde, dando livre curso às lágrimas, poderia chorar a valer e aliviar seus sentimentos reclusos mas não demais porque ela sabia chorar bem direitinho diante do espelho. Você é linda, Gerty, ele lhe dizia! A pálida luz do entardecer desce sobre um rosto infinitamente triste e anelante. (188-93)


Com todo seu coração ela deseja ser sua querida, sua noiva prometida na riqueza e na pobreza, na doença da saúde, até que a morte não separe, daqui até de hoje em diante. (215-217).

O cavalheiro mirou uma ou duas vezes e então arremessou a bola praia acima na direção de Cissy Caffrey mas ela rolou pelo chão inclinado e parou justo sob a saia de Gerty perto da pequena piscina junto à rocha. Os gêmeos clamavam de novo por ela e Cissy lhe disse que a mandasse dali com um chute e eles que brigassem por ela portanto Gerty preparou seu pé mas desejou que aquela bola idiota não tivesse vindo rolando até ela e deu um chute mas errou e Edy e Cissy riram. (352-8)

Gerty pedia aos céus que elas levassem aquele bebê gritão para casa longe dali e não lhe dessem nos nervos, isso era hora de estar fora de casa, e os pirralhinhos dos gêmeos. Ela mirou longe sobre o mar distante. Era como as pinturas que aquele homem fazia na calçada com todo aquele giz colorido e tanta pena também deixá-las ali para sumirem todas borradas, a noite e as nuvens surgindo e o farol Baily em Howth e ouvir a música assim e o perfume daquele incense que eles queimavam na igreja como uma nuvem de aroma. (404-11)

E enquanto mirava seu coração pôs-se aos pulos. Sim, era para ela que ele olhava e seu olhar era prenhe de significados. Seus olhos penetravam-na queimando como se por revistá-la inteira, ler o mais fundo de sua alma. Olhos magníficos ele tinha, soberbamente expressivos, mas podia-se neles confiar? As pessoas eram tão esquisitas. Ela pôde ver de pronto por seus olhos negros e seu pálido rosto intelectual que ele era um estrangeiro, idêntico à foto que ela tinha de Martin Harvey, o ídolo das matinês, a não ser pelo bigode que ela preferia porque não era frenética por teatro como Winny Rippingham que queria que elas duas usassem sempre roupas iguais por causa de uma peça mas ela não conseguia ver se ele tinha um nariz aquilino ou algo retroussé dali de onde estava sentada. Estava de luto fechado, isso ela podia ver, e a estória de uma dor apavorante estava gravada em seu rosto. Ela teria dado o mundo para conhecê-la. (411-23)

Gerty sufocou uma exclamação abafada e soltou uma tosse nervosa e Edy perguntou o que foi e ela estava a ponto de dizer para ela ir cuidar da própria vida mas ela era sempre adamada em seu proceder e portanto simplesmente contornou o dilema com consumada diplomacia dizendo que se tratava da bênção porque bem naquele momento o sino soou vindo da torre por sobre a praia tranqüila porque o clérigo O'Hanlon estava no altar com o véu que o padre Conroy pusera sobre seus ombros dando a bênção com o santo Sacramento nas mãos. (616-23)

Ele estava recostado à rocha atrás de si. Leopold Bloom (pois é ele) está calado, de cabeça baixa diante desses jovens olhos cândidos. Mas que monstro ele havia sido! De novo com isso! Uma alma pura imaculada o havia invocado e, desgraçado que era, como respondera? (443-7)

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Ciclope (com desculpas pelo atraso..)

Eu estava só lá de papo com o meu amigo Troy, o guardinha, ali na esquina da Arbour hill e não é que o filho de uma puta de um limpador de chaminé me aparece e quase que me enfia aquele treco no olho. Eu virei para soltar o verbo no lombo dele quando quem é que eu vejo se enfiando pela via Stony Batter se não é o velho Joe Hynes.
– Viva, Joe, digo eu. Como é que anda? Viu que aquele fumacento desgraçado que quase me esbugalha o olho com aquela tralha?
– Quase te escova, diz o Joe. Quem é o velho palerma que estava conversando com você?
– O velho Troy, digo eu, era polícia. Eu estou perto assim de mandar processar aquele sujeito por obstrução de via pública com aquelas escovas e escadas lá dele.
– O que é que você está fazendo por esses lados? diz o Joe.
– Coisa para diabo, digo eu. Tem um puto de um senhor ladrão safado para lá da igreja Garrison na esquina com a alameda Chicken – o velho Troy estava justamente me dando umas dicas sobre o dito – que levantou uma quantia qualquer de meu Deus de chá ou de açúcar para pagar a três réis por semana disse que tinha umas terras no condado Down de um joãoninguém que atende pelo nome de Moses Herzog lá pertinho da rua Heytesbury.
– Circunciso? diz o Joe.
– É, digo eu. Da pontinha. Encanador. O nome dele é Geraghty. Eu estou na cola do disgramado tem já uns quinze dias e não consigo arrancar uma moeda dele.
– É esse o teu biscate de agora? diz o Joe.
– É, digo eu. Como decaíram os grandes! Cobrador de dívidas más e duvidosas. Mas que é o ladrãozinho mais descarado que se pode achar em um passeio pela cidade lá isso é e aquela cara dele toda cheia de marcas de bexiga que dava pra segurar uma pancada de chuva inteira. Diz a ele, diz ele, que eu desafio ele, diz ele, e cuspo no chão para ver ele te mandar de novo aqui ou se ele manda mesmo, diz ele, eu vou intimar ele diante de um juiz, ah, vou, por vender sem ter licença. E ele depois de se entupir até ficar a ponto de estourar. Jesus, eu tive de rir da cara do judeuzinho puxando as fraldas da camisa. Ele me tomou tudo os meus chá. Ele me comeu tudo os meus acúcar. Por que que ele não me paga os meus dinheiro?
Por bens nãoperecíveis adquiridos junto a Moses Herzog, estabelecido ao número 13 da parada de São Kevin, vizinhança do cais Wood, mercador, doravante dito VENDEDOR, e vendidos e entregues a Michael E. Geraghty, esquire, estabelecido ao número 29 da rua Arbour Hill na cidade de Dublin, vizinhança do cais Arran, cavalheiro, doravante dito COMPRADOR, videlicet, cinco libras avoirdupois de chá de primeira qualidade ao preço de três shillings e nenhum pence por libra avoirdupois e quarenta e duas libras avoirdupois de açúcar, cristal moído, a três pence por libra avoirdupois, ficando o acima referido COMPRADOR devedor de uma libra cinco shillings e seis pence esterlinos ao acima referido VENDEDOR pelo valor recebido quantia que deverá ser paga pelo acima referido COMPRADOR ao acima referido VENDEDOR em prestações com vencimento semanal de sete em sete dias no valor de três shillings e nenhum pence esterlino: os acima referidos bens nãoperecíveis não devendo ser penhorados ou pleiteados ou vendidos ou de qualquer outra maneira alienados pelo acima referido COMPRADOR, mas devendo ser e permanecer e permanecer considerados como de única e exclusiva propriedade do acima referido VENDEDOR, que pode deles dispor a seu talante e sua vontade até ter sido devidamente paga a dita quantia pelo acima referido COMPRADOR ao acima referido VENDEDOR do modo aqui exposto conforme no dia de hoje acordado entre o acima referido VENDEDOR, seus herdeiros, sucessores, administradores e legatários de um lado e o acima referido COMPRADOR, seus herdeiros, sucessores, administradores e legatários do outro lado.
– Anda estritamente abstêmio? diz o Joe.
– Não estou mais bebendo entre os drinques, digo eu.
– O que você acha de dar as caras lá no nosso amigo? diz o Joe.
– Quem? digo eu. Claro, ele está no pinel batendo pino, o coitado.
– Andou bebendo do que serve? diz o Joe.
– É, digo eu. Uísque e água no cérebro.
– Vamos comigo até o Barney Kiernan, diz o Joe. Eu quero ver o cidadão.

***

Aí eles começaram a falar sobre a pena capital e é claro que o Bloom me aparece com o porquê e o para quê e toda a peixemortice do negócio e o cachorro velho cheirando a perna dele o tempo todo eu ouvi dizer que esses judeuzinhos têm lá um tipo de odor estranho para os cachorros que sai deles sobre sei lá qual efeito inibitório e por aí vai.
– Tem uma coisa que não sofre efeitos inibitórios, diz o Alf.
– Qual seria? diz o Joe.
– O instrumento do infeliz que está sendo enforcado, diz o Alf.
– É mesmo? diz o Joe.
– Juro por Deus, diz o Alf. Quem me disse isso foi o carcereiro principal que estava lá em Kilmainham quando enforcaram Joe Brady, o invencível. Ele me disse que quando tiraram ele de lá o treco estava de pé na cara deles que nem um atiçador.
– Talante dominante comanda na morte, diz o Joe, como disse alguém.
– Isso pode ser explicado pela ciência, diz o Bloom. É só um fenômeno natural, sabe, porque em função da...
E lá vai ele com aqueles travalínguas sobre fenômenos e ciências e este fenômeno e o outro fenômeno.
O destacado cientista Herr Professor Luitpold Blumenduft apresentou evidências médicas para demonstrar que a fratura instantânea das vértebras cervicais e a conseqüente cisão da medula espinhal deveria, de acordo com as mais reconhecidas tradições da ciência médica, inevitavelmente produzir no indivíduo observado um violento estímulo dos gânglios sobre os centros nervosos do aparelho genital, provocando assim nos poros dos corpora cavernosa uma rápida dilatação que vem a facilitar instantaneamente o fluxo do sangue àquela parte da anatomia humana conhecida como pênis ou órgão masculino resultando no fenômeno que foi denominado pela faculdade de ereção mórbida filoprogenitiva ascendente e egrediente in articulo mortis per diminutionem capitis.
Aí é claro que o cidadão estava só esperando pela menor menção e ele começa a arrotar sobre os invencíveis e a velha guarda e os homens de sesseentessete e quem teme falar de noventeoito e o Joe lá com ele sobre todos os sujeitos que foram enforcados, estripados e banidos por amor à causa na corte marcial de campanha e uma nova Irlanda e um novo isso, aquilo e aquilo outro. Por falar em nova Irlanda ela devia era ir arranjar um novo cachorro, isso é que sim. Bicho sarnento esganado cheirando e bufando por tudo e coçando as feridas e lá vai ele até o Bob Doran que estava bancando uma meia dose para o Alf tentando ver o que conseguia arranjar. Aí é claro que o Bob Doran começa a fazer papel de estúpido com ele:
– Dá a patinha! Dá a patinha, cassorro! Cassorrinho bonzinho! Dá a patinha aqui! Dá a patinha!

***

– E eu pertenço também a uma raça, diz o Bloom, que é odiada e perseguida. Ainda hoje. Neste mesmo momento. Neste mesmo instante.
Virgem, ele quase queimou os dedos com a guimba do charutão.
– Roubada, diz ele. Pilhada. Insultada. Perseguida. Tomam o que é nosso por direito. Neste preciso momento, diz ele, erguendo o punho, vendida em leilões no Marrocos como escravos ou gado.
– Por acaso você está falando da nova Jerusalém? diz o cidadão.
– Eu estou falando de injustiça, diz o Bloom.
– Certo, diz o John Wyse. Enfrentem então a injustiça com vigor, como homens.
Está aí uma figura de almanaque. Alvo para bala dundum. O nosso cara gosmenta postado do lado sério de uma carabina. Jesus, ele caía bem era com uma vassourinha, isso sim, era só meterem um avental de enfermeira no sujeito. E aí ele desmonta de repente, vira completamente pelo avesso, frouxo que nem trapo molhado.
– Mas não adianta, diz ele. A força, o ódio, a história, isso tudo. Isso não é vida para os homens e as mulheres, insultos e ódios. E todo mundo sabe que é exatamente o contrário disso que é a vida de verdade.
– O quê? diz o Alf.
– O amor, diz o Bloom. Eu me refiro ao contrário do ódio. Eu tenho de ir agora, diz ele para o John Wyse. Só ali até o tribunal para ver se o Martin está lá. Se ele aparecer só digam que eu volto em um minuto. Só um segundo.
E quem é que está te segurando? E lá vai ele que nem um relâmpago azeitado.
– Um novo apóstolo aos gentios, diz o cidadão. Amor universal.
– Bem, diz o John Wyse. Não é isso que a gente sempre ouviu? Amar o próximo.
– Aquele indivíduo? diz o cidadão. Dane-se o meu vizinho é o lema dele. Amor, Moya! Ele é um belo modelo de Romeu e Julieta.
O amor ama amar o amor. A enfermeira ama o novo farmacêutico. O guarda 14A ama Mary Kelly. Gerty MacDowell ama o menino que tem a bicicleta. M.B. ama um cavalheiro louro.
Li Chi Han amô bê ji nho Cha Pu Chow. Jumbo, o elefante, ama Alice, a elefanta. O velho senhor Verschoyle com a corneta acústica ama a velha senhora Verschoyle do olho zarolho. O homem com a capa mackintosh marrom ama uma mulher que está morta. Sua Majestade o Rei ama Sua Majestade a Rainha. A senhora Norman W. Tupper ama o policial Taylor. Você ama uma certa pessoa. E essa pessoa ama aquela outra pessoa porque todo mundo ama alguém mas Deus ama todo mundo.

***

Por favor, Joe, me mostre a entrada da saída.
– Vamos lá, diz o Terry.
Adeus, Irlanda, eu vou pro Norte. Aí eu dei uma saidinha até os fundos do quintal para tirar água do joelho e puta que o pariu (cinco shillings para cinco) enquanto eu estava aliviando a minha (Jogafora vinte para) aliviando o meu lastro puta que o pariu digo eu para mim mesmo eu sabia que ele estava inquieto lá na (dois pints do Joe e um no Slattery) na cabeça dele para se mandar dali (cem shillings dá cinco pratas) e quando eles estavam no (azarão) o Pudindecana Burke estava me contando grupo de carteado e dizendo que a criança estava doente (Jesus, deve ter saído um galão) a bunda mole da mulher dele falando pelo tubo ela está melhor ou ela (ai!) tudo um plano para ele poder escapulir com o bolo se ele ganhasse ou (virgem, eu estava entupido) negociar sem licença (ai!) Irlanda minha nação diz ele (uica! ftu!) nunca vamos estar à altura desses merdas desses (só o finzinho) jerusaléns (ah!) malucos.

***

Você nunca viu coisa igual em toda a tua vidinha. Credo, se ele estivesse com aquele bilhete de loteria do lado da cachola ela ia lembrar da copa de ouro, ah ia, mas puta que pariu e o cidadão ia acabar preso por ataque e espancamento e o Joe por auxílio e omissão. O cocheiro salvou a vida dele conduzindo correndo como Moisés descendo o morro. Como? Ah, meu Deus, foi sim. E largou uma rajada de xingamentos atrás dele.
– Matei, diz ele, ou o quê?
E ele gritando para o desgraçado do cachorro:
– Pega, Garry! Pega, menino!
E a última coisa que nós vimos foi a merda do carro dobrando a esquina e o nosso amigo cara de cordeiro lá dentro gesticulando e o viralata desgraçado correndo atrás dele com as orelhas para trás dando tudo o que tinha para arrancar cada pedaço do sujeito. Cem para cinco! Jesus, ele fez valer cada centavo, isso eu te juro.
Quando eis que surgiu sobe eles um grande esplendor e eles contemplaram a ascenção da carruagem na qual Ele estava até aos céus. E eles O contemplaram na carruagem, trajando a glória do esplendor, vestido como o sol, belo como a lua e tão formidável que, apavorados, não ousaram olhar direto sobre Ele. E surgiu dos céus uma voz, chamando: Elias! Elias! e ele respondeu com potente brado: Abba! Adonai! E eles O contemplaram, Ele próprio, ben Bloom Elias, por entre nuvens de anjos ascender à glória do esplendor em um ângulo de quarenta e cinco graus sobre o bar de Donohoe na rua Little Green como se lançado por uma pá.