Martin Cunningham, primeiro, enfiou a cabeça encartolada na carruagem rangente e, entrando ágil, sentou seu corpo. O senhor Power subiu depois dele, curvando cuidadoso a estatura.
– Entre, Simon.
– Por favor, o senhor Bloom disse.
O senhor Dedalus cobriu-se rapidamente e entrou, dizendo:
– Sim, sim.
– Estamos todos aqui agora? Martin Cunningham perguntou. Venha junto, Bloom.
O senhor Bloom entrou e sentou no lugar vago. Ele puxou a porta atrás de si e bateu-a duas vezes até que ficou bem fechada. Passou um braço pela braçadeira e olhou sério pela janela aberta da carruagem as persianas abaixadas da avenida. Uma puxada para o lado: uma velha espiando. Nariz achatado branco contra o vidro. Agradecendo a sua estrela ter perdido a vez. Extraordinário o interesse que elas têm por um cadáver. Felizes ao nos ver ir nós incomodamos tanto vindo. O trabalho parece feito para elas. À sorrelfa pelos cantos. Chapinhando em chinelas chicoteantes de medo que ele acorde. E então prepará-lo. Aviá-lo. Molly e a senhora Flemming arrumando a cama. Puxe mais para o seu lado. Nosso sudário. Nunca se sabe quem vai tocar você morto. Banho e xampu. Eu acho que elas aparam as unhas e o cabelo. Guardam um pouco em um envelope. Cresce mesmo assim depois. Trabalho impuro. (1-19)
Martin Cunningham cutucou o senhor Power.
– Da tribo de Rúben, ele disse.
Um vulto alto barbapreto, dobrado em uma bengala, bordejando pela esquina da casa Elefante de Elvery lhes mostrava uma mão curva aberta em sua espinha.
– Em toda sua prístina beleza, o senhor Power disse.
O senhor Dedalus procurou enxergar a figura bordejante e disse suavemente:
– Que o diabo lhe quebre os engonços das costas!
O senhor Power, desatando a rir na janela, cobriu seu rosto enquanto a carruagem passava a estátua de Gray.
– Todos já sentimos na carne, Martin Cunnigham disse vago.
Seus olhos encontraram os do senhor Bloom. Ele afagou sua barba, acrescentando:
– Bem, quase todos. (250-61)
O senhor Bloom começou a falar com súbita ansiedade para os rostos de seus companheiros.
– É excelente aquela que andam contando sobre Reuben J. e o filho.
– Aquela do barqueiro? o senhor Power perguntou.
– É. Não é excelente?
– Mas que estória é essa? o senhor Dedalus perguntou. Eu não ouvi.
– Havia lá uma garota em questão, o senhor Bloom começou, e ele resolveu mandá-lo para a ilha de Man para longe do perigo mas quando os dois estavam...
– O quê? o senhor Dedalus perguntou. Aquele completo badameco?
– Sim, o senhor Bloom disse. Estavam os dois a caminho do barco e ele tentou se afogar...
– Afoguem Barrabás! o senhor Dedalus gritou. Por Deus eu queria que ele tivesse feito de uma vez!
O senhor Power soltou uma risada comprida por suas narinas cobertas.
– Não, o senhor Bloom disse, o filho...
Martin Cunnigham cortou sua fala rudemente.
– Reuben J. e o filho estavam picando suas mulinhas pelo cais perto do rio a caminho do barco da ilha de Man e o patifezinho de repente se soltou e lá se vai ele por cima do muro para dentro do Liffey.
– Pelo amor de Deus! o senhor Dedalus exclamou assustado. Ele morreu?
– Morreu! Martin Cunnigham gritou. Não aquele lá! Um barqueiro pegou uma vara e pescou-o pelos fundilhos das calças e ele foi içado até o pai no cais mais morto do que vivo. Meia cidade estava lá.
– Sim, o senhor Bloom disse. Mas a parte engraçada é que...
– E Reuben J., Martin Cunningham disse, deu ao barqueiro um florim por salvar a vida do seu filho.
Um suspiro abafado surgiu de sob a mão do senhor Power.
– Ah, mas deu, Martin Cunningham afirmou. Como um herói. Um florim de prata.
– Não é excelente? o senhor Bloom disse ansiosamente. (262-90)
Padre Coffey. Coffin. Eu sabia que o nome dele era como um caixão. Dominenamine. Tem uma fuça de valentão ele. Comanda o espetáculo. Cristão musculoso. Deus tenha piedade do coitadinho que olhar torto para ele: padre. Tu és Pedro. Estourar pelas bordas como uma ovelha prenha diz o Dedalus que ele vai. Com um barrigão daqueles que parece um cachorrinho esturricado. Aquele sujeito acha cada expressão mais engraçada. Hhhhn: estourar pelas bordas.
– Non intres in judicium cum servo tuo, Domine.
Faz com que se sintam mais importantes rezar para eles
A minha rótula está doendo. Au. Melhor assim.
O padre tirou um pauzinho com uma bola na ponta de dentro do balde do menino e o sacudiu sobre o caixão. Então andou até a outra ponta e sacudiu de novo. Voltou então e o colocou de volta no balde. Como eras antes de descansares. Está tudo escrito: ele tem de fazer.
– Et ne nos inducas in tentationem.
O coroinha flautava as respostas
Água benta aquilo, eu acho. Sacudindo sono com aquilo. Ele deve estar cheio desse trabalho, sacudir aquela coisa em todos os cadáveres que eles trazem a trote para cá. Qual seria o problema se ele pudesse ver sobre o que ele está sacudindo. A cada dia de meu Deus uma fornada fresquinha: homens de meiaidade, velhas, crianças, mulheres mortas no parto, homens de barba, negociantes carecas, menininhas tísicas com peitinhos de pardocas. O ano inteiro ele rezava a mesma coisa sobre todos eles e sacudia água em cima deles: dorme. Agora o Dignam.
– In paradisum.
Disse que ele foi para o paraíso ou que está no paraíso. Diz isso em cima de todo mundo. Trabalhinho cansativo. Mas ele tem de dizer alguma coisa. (595-630)
Hynes rabiscando alguma coisa no seu caderninho. Ah, os nomes. Mas ele conhece todos eles. Não: vindo para mim.
– Eu estou apenas pegando os nomes, Hynes disse em um sopro de seu hálito. Qual é o seu nome de batismo? Eu não tenho certeza.
– L, o senhor Bloom disse. Leopold. E você pode incluir o nome do M’Coy também. Ele me pediu.
– Charley, Hynes disse escrevendo. Eu sei. Ele já esteve no Freeman.
Esteve mesmo antes de conseguir o trabalho no necrotério com Louis Byrne. Boa idéia um postmortem para médicos. Descobrir o que eles acham que sabem. Morreu de uma terçafeira. Se mandou. Evaporou com o dinheiro de uns anúncios. Charley, menino malvado. Foi por isso que ele me pediu. Enfim, mal não faz. Eu tomei conta daquilo, M’Coy. Obrigado, meu velho: fico devendo. Deixá-lo obrigado: não custa nada.
– Mas me conte, Hynes disse, você conhece aquele sujeito com o, o sujeito que estava ali com o...
Ele olhava em volta.
– Mackintosh. Sim, eu vi, o senhor Bloom disse. Cadê ele agora?
– M’Intosh, Hynes disse, escrevinhando, eu não sei quem ele é. É esse o nome dele?
Ele se afastava, olhando em torno.
– Não, o senhor Bloom começou, virando e se detendo. Escuta, Hynes! (878-98)
O senhor Bloom checou as unhas de sua mão esquerda, depois as da direita. As unhas, sim. Será que ele tem algo a mais que elas ela vê? Fascínio. O pior homem de Dublin. Isso o mantém vivo. Elas às vezes sentem o que uma pessoa é. Instinto. Mas um tipo desses. Minhas unhas. Eu estou apenas olhando para elas: bem aparadas. E depois: pensando sozinho. O corpo ficando um pouco mole. Eu haveria de perceber: pela lembrança. O que é que provoca isso? Eu acho que a pele não consegue se contrair tão rápido assim quando a carne despenca. Mas a forma está lá. A forma está lá ainda. Ombros. Quadris. Roliça. Noite do baile se vestindo. A combinação atrás presa na bunda.
Juntou as mãos entre os joelhos e, satisfeito, enviou seu olhar vago sobre seus rostos. (200-10)
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